Hiroshima: A mais brilhante reportagem do século XX
- thesidearticles
- 24 de mar. de 2021
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O livro que estampou uma edição inteira do The New Yorker em 1946 conta uma história que o mundo jamais deve esquecer. Foi em agosto de 1945, quando os americanos, recém amargurados pelo bombardeio surpresa na base de Pearl Harbor, lançaram a bomba atômica sobre a cidade de Hiroshima e, em seguida, Nagasaki, era o início de um alerta mundial e o fim da segunda grande guerra.
Hiroshima conta a história de seis sobreviventes do ataque nuclear e suas vidas antes e após a explosão. Os relatos são de tirar o fôlego de tão marcantes e o livro é sem dúvidas um memorial de um momento terrível da humanidade que serviu de registro em mais de 115 páginas. Posteriormente, o jornalista que o escreveu, John Hersey, o publicou na edição do The New Yorker, como uma grande reportagem e somente anos depois, a íntegra dessa matéria tão incrível virou livro e chegou ao brasil com um grande número de exemplares. Nascia-se o famoso "Jornalismo literário".
Os personagens apresentados no livro, como já citado acima, tiveram uma reviravolta inesperada em suas vidas, todos eles eram pais e mães de família e levavam uma vida tranquila naquela cidadezinha japonesa, todos com boas profissões e um motivo para sorrir em meio a tanto caos, jamais esperavam que seriam vítimas de um ataque tão brutal e traumático.
Um era o doutor Sasaki, médico e infectologista que no dia da explosão perdeu familiares e sua clínica, construída com muito suor e esforço. Até a década de 40, ele sequer conhecia os estragos provocados pela bomba A (atômica). Ele teve algumas sequelas provocadas pelo ataque mas conseguiu refazer sua vida após alguns anos, ele também contou que mesmo após a explosão, teve ainda mais vontade de continuar atuando no campo da medicina e salvando vidas.
A história da senhorita Nakamura também chama a atenção. Ela já não tinha mais nenhum contato com o marido no dia da explosão e após perder a consciência, teve a difícil tarefa de procurar pelos próprios filhos soterrados dentro de casa naquela manhã fatídica. Os filhos de Nakamura tiveram leves sequelas futuramente mas o que os incomodavam (e incomodava a todos na época) era o preconceito.
Os Hibakusha, como são chamados os sobreviventes da bomba atômica, relatavam que até mesmo entre os japoneses havia um discurso forte, pejorativo. Casar, trabalhar, estudar e até consultar um médico sendo um Hibakusha era quase uma tortura. Ninguém aceitava o fato de que aquele ataque nuclear influenciaria o funcionamento de órgãos, cérebro e até os cromossomos desses sobreviventes, tudo mudou, mas poucos se atentaram à isso. Todos os personagens ali presentes relatam a mesma preocupação.
O senhor Tanimoto, por exemplo, foi um personagem marcante na minha opinião. Ele era amigo de um famoso padre alemão na cidade e, graças a ele, teve sua vida/rotina alterada pelo seu interesse no catolicismo ocidental. Após o ataque, Tanimoto usou sua fé para prestar ajuda financeira às famílias e viúvas da guerra e se mudou para os estados unidos, à fim de promover uma campanha mundial pela paz e assinar um acordo com o presidente americano que visava pôr fim à utilização e fabricação de armas nucleares, em uma tentativa angustiante de fazer o mundo nunca mais testemunhar um horror como o daquele que os japoneses viveram. Tanimoto virou pastor nos anos 50 e abriu algumas instituições nos EUA.
Curiosidade:
você sabe como e por quê surgiu a bomba atômica? Uma matéria do fantástico feita em 2005, no quadragésimo aniversário do ataque em Hiroshima, explica melhor o assunto (https://www.youtube.com/watch?v=Yvo0dyW1vTE)
Quando as duas cidades japonesas foram bombardeadas, claramente um sentimento de tristeza e luto deu espaço à um rancor e ódio mortal aos americanos. Na época, quem ordenou o ataque foi o então presidente Harry Truman, que chegou a se recusar a prestar assistência aos imigrantes japoneses nos EUA que vinham fugindo do caos deixado pelos mesmos. No entanto, um fato curioso é alguns dos personagens retratados nessa magnífica obra escolheu os estados unidos para viver anos depois e, ao serem questionados sobre o que sentiam pelos soldados americanos, apresentavam uma resposta quase unânime:
" De que adianta ter ódio ou guardar algum rancor deles? Já passou, agora não tem mais volta. Claro que a tristeza permanece e essas cicatrizes deixadas sempre ficarão abertas, mas vale a pena renascer de novo, aprender uma lição na vida, e usar esse precioso tempo para odiar quem um dia quis te ver morto? acho que não vale a pena."
Dá para entender agora por que muitos deles refizeram suas vidas e tiveram sucesso nelas apesar das dificuldades enfrentadas, são pessoas fortes, que ganharam um rosto e uma voz neste livro que quase foi banido dos estados unidos durante o período da guerra fria por se tratar de "segredos de estado". Um acontecimento tão fatal e letal para a humanidade, teve a sensibilidade de tratar as histórias dos sobreviventes por parte deles, ouviu quem precisava ouvir e não apelou ao sensacionalismo clichê de contar apenas o trágico ataque sob uma perspectiva factual, sem consultar quem sentiu na pele aqueles momentos de terror.
Hiroshima foi até agora um dos livros mais marcantes que já li, foi muito mais que relatos e histórias desconhecidas, mas a apresentação de um universo que poucos conhecem e que nos faz repensar se estamos mesmo livres de tantas "peculiaridades" inventadas e esnobadas pelos seres humanos. A leitura traça uma linha tênue entre o real, o triste e o milagre, para quem acredita. De toda a população de Hiroshima que estava presente naquele 6 de Agosto de 1945 na cidade, 90% tiveram suas vidas transformadas. ou perderam familiares, ou tiveram terríveis sequelas ou morreram, muitas até hoje não foram identificadas.
Por: Lybia Abaaoud/ Beatriz D'angelo
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