Fascismo: o que é e por que entendê-lo?
- thesidearticles
- 22 de jun. de 2020
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O significado da palavra Italiana "Fascio" quer dizer "feixe", ou seja, era um machado revestido por varas de madeira que durante o período do império romano, foi usado como símbolo de poder, autoridade e união... porém, a união de um só povo, auto denominado "superior" e servil ao sistema secular, que mais tarde, viria a dar início a um dos regimes mais agressivos e contraditórios do século XX, o Fascismo.
Agressivo por sustentar uma lógica uni racial, centralizada e religiosa, marcada por críticas ao socialismo, ao capitalismo e aos opositores do Stato nuovo, e contraditório por defender a tese do "Uomo libero" ou "o homem livre" e criticar ferrenhamente o iluminismo, grande fenômeno do século XVIII que defendia a mesma tese mas com base no conceito democrático de estado.
O fascismo de Benito Mussolini, estabelecido ou, dito estabelecido na Europa na metade do século XX, é hoje motivo de discussões, polêmicas e contradições no ocidente por ter se tratado de um regime violento, autoritário e altamente servil na Itália da época, mas, o que de fato define o fascismo e por que devemos entender esse fenômeno para evitar entrar nos discursos da esquerda moderna de chamar qualquer um de "fascista" e nos discursos da direita delirante de associar o fascismo ao comunismo, afinal, todo mundo que discorda da direita é realmente um "comunista", não é mesmo?
O fascismo na verdade é muito mais antigo do que imaginamos, se associarmos sua teoria a antigos regimes e impérios, veremos que ele sempre se manteve vivo na prática de muitos governantes autoritários e até mesmo os considerados pacíficos, um exemplo disso é a Turquia moderna, vista por muitos como uma democracia laica onde o homem que a governa na verdade é um ditador que defende abertamente o nacionalismo em um país que um dia foi sede de um dos mais bárbaros impérios que já existiu, o otomano. Podemos associar as práticas implícitas de Erdogan ( ditador da turquia ) como fascistas, especialmente se lembrarmos como o seu regime reagiu ao suposto golpe de 2016, que quase o tirou do poder.
Ainda assim é muito complexo definirmos uma verdade absoluta sobre o que de fato é o fascismo, sabemos o que ele prega ideologicamente, mas na prática, talvez até a própria Itália discorde da tese que fomenta que o fascismo realmente foi colocado em prática por Mussolini no país. Um dos historiadores mais famosos da Itália, Emilio Gentili, afirma que hoje é muito comum esse termo ser usado por diversas pessoas, mesmo que sem um conhecimento prévio, para ele, o fascismo por si só, é resultado de um vazio de poder e uma crise na democracia que pode aparecer a qualquer momento e misturado a qualquer ideologia política:
"A democracia não está em risco por causa de um fascismo que não existe. Hoje, o perigo é a democracia que se suicida. O que há de novo, em todo o mundo, é um novo poder de direita nacionalista e xenófobo. É o que Orbán (Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, um dos expoentes desse movimento na Europa) classificou de política nacionalista democrática iliberal."
De acordo com Gentile, há muitos movimentos políticos na Europa e em outros lugares do mundo que se referem à experiência fascista e utilizam seus símbolos, mas de uma maneira muito "idealizada e imaginária". Podemos ver isso em passeatas de direita e de esquerda, nas da esquerda ( na grande maioria das vezes ) é possível vermos bandeiras vermelhas hasteadas, bandeiras de outros países, símbolos do socialismo e também bandeiras que defendem pautas sociais, como a LGBT+ por exemplo. Já em manifestações de direita, é possível vermos bandeiras de um único país, o máximo dos EUA e de Israel, frases que se opõem completamente ao modelo de regime democrático que temos e claro, símbolos fascistas e nazistas, como foi o caso das últimas passeatas no Brasil, em plena avenida paulista, quando um grupo de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, desfilou com uma bandeira que representa um movimento nazista e xenófobo da Ucrânia.
Alguns pesquisadores também reforçam que a definição mais propicia para o fascismo seria o "autoritarismo", ou seja, que até mesmo regimes considerados "mão de ferro" no século XX, como a da antiga URSS ( que era comunista ) pode ser chamado de fascista, segundo os mesmos. Não acredito nesse tese, pois fascismo nunca foi sinônimo de autoritarismo, fascismo é uma ideologia política como qualquer outra e não se encaixa nem em um contexto de direita e nem em um contexto de esquerda, sendo que este foi estabelecido na Itália da época apenas para ser uma "quarta teoria política" que combatia tanto o socialismo quanto o capitalismo. Regimes autoritários sim podem ser de esquerda ou de direita, mas não o fascismo, pois ao meu ver, seria o mesmo que afirmar que o comunismo é sinônimo de ditadura, já que governos como o de Stalin na antiga união soviética e o de Mao Tse Tung na antiga china, são até hoje considerados "ditaduras cruéis".
Muitos também se perguntam se o regime de hitler se inspirou no da Itália fascista, na verdade sim, no entanto com algumas diferenças. Em seu livro, Mein Kampfe ( ou, minha luta ), o ex ditador da Alemanha já deixa claro que seu governo não estabeleceria qualquer laço com os então socialistas, ao contrário do que muitos pensam, Hitler via uma grande diferença entre a social-democracia que mais tarde daria origem ao seu partido ( o NAZI ) e o socialismo, aquele descrito por Karl Marx:
"Aos dezessete anos, conhecia muito pouco a palavra 'marxismo', enquanto socialismo e social-democracia me pareciam termos idênticos. Também neste caso foi preciso que um golpe do destino me abrisse os olhos para a incomparável natureza desse sistema e sua maneira de ludibriar o povo" Trecho de "minha luta"
Hitler acreditava que os ideais de Mussolini contribuiriam para que a Alemanha não se prendesse as desgraças do capitalismo e as "mentiras" do socialismo, que para ele, era a representação do que Stalin e Lênin haviam feito durante muito tempo na URSS, mesmo assim, as ideologias marcantes de hitler como a perseguição aos judeus, comunistas, não alemães e negros fizeram com que o seu regime se associasse a extrema direita, hoje, tomado por movimentos ao redor do mundo que mantêm as idéias hitleristas e adota um discurso altamente nacionalista. Já o governo de Mussolini foi marcado pela perseguição aos socialistas e a classe média, a quem o ditador italiano via como as duas maiores ameaças ao seu povo na época, ainda assim, Mussolini sempre fez o seu regime parecer mais uma "nova esquerda", já que também combatia idéias neo liberais, o imperialismo em outros países e por mais que pouca gente saiba disso ( ou simplesmente negue ), o ex ditador da Itália já havia sido membros de dois partidos socialistas que pensavam até mesmo em tomar o poder em Roma e preservarem o legado de Marx. Uma das suas frases mais famosas já denominava o que seria a breve definição do seu fascismo, o reconstruído por ele:
"Tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado."

Bandeira da antiga Itália Fascista, repare no Fascio abaixo dos pés da águia, símbolo de força e bravura dos "soldados" de Mussolini
Ainda que filósofos, políticos, historiadores ou sociólogos tentem contextualizar as raízes e as práticas do fascismo, como disse no início, não existe uma definição clara para essa ideologia que é tão complexa, o real fascismo foi levado para o paredão de fuzilamento junto com Benito Mussolini e sua ex amante, lá em 1945, o nazismo teve o mesmo destino, ruiu junto com o fim da segunda grande guerra, e o que temos hoje é somente o Neo fascismo, iguais em ideologias e diferentes na prática, onde ainda assim, é possível qualquer país adotar o fascismo como política de estado, mesmo que hoje existam tantas organizações democráticas e em defesa do combate ao autoritarismo. O fascismo para mim é a ideologia que pensa o que não fala e cala quem tenta falar, como dizia Umberto Eco, "basta uma crise, e o fascismo reaparece para contestar o lugar da mulher, dos imigrantes, das minorias e dos revolucionários", ou seja, a ideologia que afirma querer a paz e a união, mas de quem exatamente? O fascismo jamais causaria uma revolução nos dias de hoje, mas um golpe de estado e uma ditadura implícita não seria uma utopia, afinal, já estamos vendo isso atualmente, até mesmo no Brasil, em pleno século XXI.
Combater os discursos fascistas claramente é essencial nos dias de hoje, até porque ninguém quer vivenciar pela segunda vez os horrores da metade do século XX, não é? Mas combater o fascismo já é uma outra história, é uma ideologia, são idéias permanentes, que o tempo não exclui nem as deixam em esquecimento, assim como não combatemos o comunismo ou o capitalismo, são todos ideologias fortes e que sustentam idéias que aos olhos de muitos, fazem sentido, especialmente em tempos de crise, onde a população se sente abraçada por líderes "messiânicos", "salvadores da pátria". É necessário defendermos um governo que se comprometa sempre com os valores humanos e democráticos, mesmo com ideologias distintas, porém sempre tomando cuidado com certos discursos, não pelo medo de ser chamado de "fascista" mas sim, de dar vida à um discurso morto do passado e tentar estabelecer uma nova ordem política, muito difícil de ser mantida em um mundo tão globalizado como o nosso de hoje.
Para quem se interessar, é importante enxergar o fascismo por diversos ângulos, na visão de cada pessoa, sem verdades absolutas. Abaixo, deixo recomendações de livros que focam em defender ou criticar o conceito de "fascismo" como o conhecemos:
1) A doutrina do Fascismo - Benito Mussolini ( escritor, político e ditador Italiano )
2) Cadernos do Cárcere- Antônio Gramsci ( pensador e filósofo marxista italiano )
3) Como nasce e morre o fascismo- Clara Zetkin ( Jornalista e política alemã )
4) O som do ódio - Pedro Carvalho Oliveira ( mestre e historiador Brasileiro )
5) Faces do extremo - Tatiana Poggi ( professora e doutora em história contemporânea Brasileira )
6) Revolução e contrarrevolução na Alemanha - Leon Trotsky ( pensador e revolucionário Russo )
Por: Lybia Abaaoud/ Beatriz D'angelo.
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