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Como a guerra na Síria é contada através das lentes ocidentais?

  • Foto do escritor: thesidearticles
    thesidearticles
  • 28 de mai. de 2020
  • 10 min de leitura

Nas últimas semanas, me desconectei um pouco das redes sociais e dos blogs para me dedicar ao meu TCC. Dentre os trabalhos que fiz e foram prestigiados, está o meu artigo sobre a narrativa ocidental frente à guerra na Síria, jornalistas e repórteres de países ocidentais que foram até o oriente médio em plena primevera árabe para cobrirem um conflito dramático. Minha crítica foi direcionada ao fotojornalismo, porém, o texto abrange a idéia de que a Síria NÃO vive nem NUNCA viveu uma ditadura ( como é contado do lado de cá ) e denuncia as fraudes mais absurdas cometidas por veículos de grande prestígio, que se aproveitaram da crise no país para tirarem os fatos de contexto e alimentarem cada vez mais a campanha americana anti-Assad.

Leia o artigo abaixo:



por- Lybia Abaaoud

Desde o ano de 2011 a Síria vem sofrendo com uma guerra civil sangrenta ocasionada pela chamada “primavera árabe”, que teve como principal objetivo tirar do poder regimes considerados autoritários e fazer com que a população árabe renunciasse a sua tão sonhada hegemonia para entregar seus governos e curvar seus povos aos interesses imperialistas ocidentais.

Dentro dessa situação, a oposição da Síria encontrou um meio de tentar tirar do poder um dos membros mais bem sucedidos e respeitados do partido socialista “Baath”, Bashar al Assad, líder do país desde de julho de 2000 e um dos principais representantes da democracia laicista no Oriente médio, região onde dificilmente o radicalismo islâmico salafista opera concedendo liberdade à minorias religiosas e étnicas.

Com a crise se alastrando no país e o extremismo religioso crescendo, a mídia ocidental passou a cobrir conflitos como o da Síria de uma maneira injusta e incompreensível, fazendo com que os ocidentais olhassem para aquela região de forma preconceituosa e culpando a maioria islâmica:

“Quem domina hoje os meios de comunicação é os EUA e claramente com toda essa campanha anti islã, capitalista e anti socialista já dá para se ter uma idéia de como toda a informação que chegar de ‘inimigos’ será altamente manipulada, isso desde o onze de setembro vem enriquecendo cada vez mais os americanos, graças à suas propagandas contra os muçulmanos e contra regimes que não atuam de acordo com a sua linha de pensamento. Nós temos o exemplo da arábia saudita, que é um país totalmente extremista e que durante muito tempo serviu de base para terroristas da Al Qaeda, mesmo com todos esses problemas manchando a sua imagem, o país tem apoio legítimo dos norte americanos, sendo este seu principal aliado na região, isso já mostra como esses conflitos vão além de religião e crenças, vêm de interesses.” Explica o professor de Geopolítica da fundação de Santo André, Marcelo Buzetto.

Mais difícil ainda é encontrar uma única fonte de notícias onde a população Síria ou o próprio Bashar Al Assad pudessem se expressar livremente, já que o que temos de informação normalmente é algo retratado somente por um só lado, o dos opositores. Um caso recente é o do ativista Ahmad Brimo que fundou uma plataforma chamada “Verify-sy” para checar a veracidade de informações que chegam em zonas de conflitos. Ele passou vários meses em cidades sírias, inclusive as que eram controladas pelo grupo terrorista Estado Islâmico e retratou situações que eram completamente diferentes daquilo que víamos até então na mídia, ele se pronunciou por exemplo sobre uma notícia que tinha sido veiculada por fontes americanas sobre um suposto ataque químico na síria que na verdade era uma encenação à mando de grupos rebeldes, Ahmad entrevistou um sírio que confirmou que os extremistas anti-Assad os pediram para “deitarem no chão e fingirem que não estavam conseguindo respirar, logo após eles filmariam e jogariam água nos corpos para mostrarem que estavam contendo as queimaduras”. Até hoje, os EUA afirmam que não conseguem apresentar provas de que aquele ataque realmente aconteceu à pedido do governo sírio. Ahmad também foi responsável por desmascarar uma série de vídeos que mostravam supostos ataques à capital da Síria mas que na verdade eram cenas de outros países sendo atacados, como foi o caso do Iraque.

Em 2014, um conceituado jornalista mexicano perdeu o prêmio pulitzer por ter manipulado uma imagem que havia feito durante sua cobertura na guerra da Síria porque removeu uma câmera de vídeo que o guia que o acompanhava segurava para parecer que era um rebelde segurando uma arma entrincheirado. Narciso Contreras era considerado um dos melhores fotojornalistas da américa latina e havia sido contratado pela Associated Press para cobrir alguns conflitos na África e no Oriente médio, com o incidente ele perdeu credibilidade e o apoio de grandes agências que já estavam de olho no seu trabalho.

No ano seguinte, em 2015, um vídeo de uma missionária Cristã que viveu em Aleppo repercutiu o mundo após ela revelar o que de fato estava acontecendo no país desde o início da primavera árabe, onde o povo sírio já esperava uma revolta violenta e uma tentativa de golpe contra o governo de Bashar al Assad. A freira Guadalupe Rodrigo explicou que a Síria já estava há muito tempo na lista de interesses dos EUA e da França, houveram várias reuniões secretas entre os dois países e ambos se aliaram para tramar um plano contra o regime de Damasco que rejeita qualquer ideologia imperalista. Para ela, não restava dúvidas de que os grupos terroristas ( como o estado islâmico e a Al Qaeda ) eram financiados e armados não apenas para tirar Assad do poder mas também para promover uma limpeza ética e religiosa na Síria que não se adequassem ao pensamento islâmico radical, que na visão dos extremistas, significava perseguir e assassinar cristãos, judeus, muçulmanos xiitas e sunitas “moderados”. Guadalupe afirma que sempre viveu em paz na Síria já que Cristãos e outras minorias são protegidas por lei naquele país , que nunca sofreu qualquer tipo de preconceito por ser uma missionária e que diferente de países islâmicos mais radicais ela via na Síria um exemplo de liberdade religiosa para aquela região. Ela não é a única, o líder da maior igreja ortodoxa de Aleppo, o bispo Yohana Ibrahim, afirmou que teme até hoje a queda do presidente sírio pois se isso acontecer, o país se tornaria uma república extremista governada por sunitas radicais que querem a toda a força governar a nação laica através da “lei da espada”. O bispo disse que o momento mais bonito de se ver na Síria é o sino das igrejas batendo no mesmo momento em que o chamado para as orações das mesquitas é soado, onde se comemorar o natal não é sentença de morte e onde é possível ver casamentos entre pessoas de religiões e etinias diferentes, tudo isso permitido por lei em um país considerado uma “ameaça à paz mundial”.

O caso da Síria não é o único exemplo que temos para falar sobre “fake news”, afinal, o mundo árabe desde o início de sua crise em 2010/2011 vem vivendo momentos de tensão frente a irresponsabilidade por parte de seus jornalistas. O mundo islâmico como um todo é cotado como um lugar “sem liberdade de imprensa” porém não é isso que muitos críticos de governos extremistas consideram no Iraque, na Líbia Kaddafista e até na própria Síria, exemplo disso foi o jornalista saudita Jamal Kashoggi que escreveu durante um bom tempo para o “The washington post” denunciando os crimes do governo saudita e israelense contra o povo palestino e suas tramas Formidáveis para destruír governos laicos no oriente médio, não à toa, o mesmo jornalista foi assassinado em 2018 na Turquia à mando do ditador saudita, Mohammed Bin Salman. Sem Khashoggi, a esperança para a liberdade da mídia saudita e de outros países islâmicos vem diminuindo e cada vez mais, notícias e fotos falsas vêm sendo manipuladas sem que ninguém ao menos note e investigue tudo isso.

A ética dentro do jornalismo é a mesma para o fotojornalismo, não adianta querermos apresentar uma notícia perfeita, sem erros gramaticais e com um forte apelo de “Não à Fake news” se em uma cobertura jornalística manipulamos imagens que poderiam servir como uma denúncia para o mundo. Precisamos ser justos, contarmos fatos, mostrarmos os dois lados da história e fazermos um trabalho limpo, não podemos levar sempre nossas ideologias para retratarmos um conflito violento como o da Síria. Muitos jornalistas, até os mais conceituados, não fogem de inúmeras críticas por terem cobrido o conflito através de uma perspectiva ocidentalizada e dando espaço apenas para os rebeldes e civis anti-Assad darem suas versões contra o governo, apresentando apenas pontos de vista negativos e falando explicitamente frases e termos extremistas, bom, talvez o problema do terrorismo seja apenas quando falamos do Estado Islâmico. Dificilmente fontes que acompanham a guerra Síria se posicionam pró Assad ou sequer permitem que um civil de Damasco ou membro da família Assad exponham suas opiniões perante tantos danos que esse conflito causou no povo Sírio, claramente Assad não se incomoda tanto com o desfecho que a mídia ocidental vem dando a guerra em seu país mas se preocupa quando o assunto é Fake news pois sabe que é graças a esse termo tão recorrente nos dias de hoje, que governos como o dele, que rejeitam a influência norte americana no oriente médio, vêm sendo tão atacados sem ao menos provas legítimas e concretas de que são regimes que assassinam o próprio povo.

A guerra na Síria foi apresentada para nós como um conflito onde o povo daquele país se posicionava contra o presidente que, não aceitando críticas, bombardeava cidades com grande presença de civis e rebeldes, fazendo com que potências ocidentais dessem armas para essas pessoas lutarem contra o próprio exército e “defenderem” seu povo de uma ditadura cruel. Oras, se fosse assim as últimas eleições do partido Baath teria sido uma completa confusão ao anunciarem que Bashar era o mais cotado para continuar governando a Síria e ajudar a conter o avanço dos extremistas islâmicos, aliás, nem teria acontecido uma eleição pois em tempos de crise seria quase impensável que um presidente tão perseguido saísse às ruas para votar ou fazer um discurso para centenas de pessoas. Na Líbia pós insurgência, Muammar Gadaffi sequer saia no quintal de sua casa com medo de ataques da própria população, chegava a recusar reuniões ultra importantes temendo por sua vida, o mesmo compartilhava da mesma ideologia de Bashar al Assad e pagou com sua vida por isso em outubro de 2011, onde estava a mídia e a rede fotógrafos ocidentais após esse acontecimento?

cobrindo as comemorações de rebeldes líbios na grande praça de Trípoli enquanto o corpo ensanguentado de Gadaffi era levado para ser sepultado, com DEZENAS de pessoas que nem eram daquele país acompanhando a despedida ao líder socialista Líbio.

O que talvez a Síria e a Líbia tenham em comum? o que talvez a cobertura dessas duas grandes crises tem gerado na população árabe?

A resposta seria insatisfação já que com tantos estereótipos rodando aquele povo, a cobertura fraca das nossas mídias tem gerado ainda mais revoltas e fez com que jovens como Ahmad Brimo, que comentei no começo no texto, levantassem a voz e corressem atrás da verdade para as pessoas, uma verdadeira cobertura e tamanha responsabilidade. Tanto a Líbia quanto a Síria foram governadas por homens que jamais permitiram a ousadia imperialista e eurocentrista dentro de seus territórios, homens que ou deram a vida por isso ou aguentaram até o fim para mostrarem quem no final realmente era o culpado por tantas desgraças.

A guerra na Síria já teve o seu fim decretado porém jornalistas do mundo inteiro resolveram seguir pelas perigosas fronteiras do país para mostrar dessa vez o lado dos curdos, que até um tempo atrás se diziam contra a presença ocidental em seus territórios mas aceitavam generosas doações de armas e dinheiro para combater as forças sírias que por outro lado, os defendiam da tentativa aterradora do ISIS de tentar assassinar todo esse povo. Os curdos recentemente tiveram um momento de tensão com a Turquia e cobraram apoio do regime de Damasco que mandaram tropas e quase metade de seus soldados para a fronteira Sírio-Turca para defender essas pessoas, os curdos se veem obrigados a promoverem um acordo de paz com Assad mas somente por interesses, escondendo o fato de ser o único lugar onde eles podem formar futuramente o sonhado território do Curdistão e terem liberdade em uma região dominada pelos árabes. Onde vimos esse fato sendo retratado pelas lentes ocidentais? A história da resistência do povo curdo só foi lembrada mediante a um momento tenso e novamente sendo explorada por um único lado.

O caso do povo palestino também é importante de se ressaltar. Sabemos bem da origem do conflito árabe-Isralelense e de como ele se desenrola nos dias atuais, mas sabemos o porquê do povo da palestina até hoje conseguir resistir às pressões internacionais e o problema diário enfrentado com Israel? É graças aos Sírios, aos Iranianos e ao partido Libanês, Hezzbollah, que o povo palestino, sem distinção de religião, conseguem sobreviver militarmente e socialmente pois só a Autoridade nacional Palestina não dá conta de tantas necessidades sozinhas em um território que mal é reconhecido oficialmente. E como a mídia que acompanha o Hamas ( movimento Islâmico para a libertação da Palestina) retrata isso? Como um povo que procura se livrar do sionismo naquele estado mas que os culpados por não permitirem isso são os sírios, os iranianos e os Libaneses, que na verdade foram os que durante muito tempo se esforçaram para denunciar os crimes do exército israelense e lutar pela liberdade do povo da Palestina. Existem diversos documentários no youtube em que é possível observar claramente a falta de responsabilidade que os jornalistas têm ao cobrir esse conflito histórico e tão delicado, mostrando essa mesma versão fútil e anti ética que até mesmo a conceituada Vice News continua apresentando, sempre ao lado daqueles que servem mais ao interesses pró ocidente do que aos interesses de seu próprio povo.

Mas é como dizia o grande fotógrafo francês, Bruno Barbey:

“A fotografia é a única língua que pode ser entendida em qualquer lugar do mundo”.

Talvez seja por isso que preferimos simplesmente analizar uma imagem somente pelo que ela nos apresenta, sem ao menos observar o seu contexto e o que está por trás dela, isso explicaria a facilidade de deixarmos ser manipulados por quem diz prezar pelo “velho e bom jornalismo”.


BIBLIOGRAFIAS DE APOIO:

https://www.youtube.com/watch?v=KsvhtBwba-Q (Missionária cristã revela toda a verdade por trás da guerra na Síria)



Segue também uma galeria de fotos da guerra:



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Minoria étnica Drusa faz passeata em apoio ao regime Sírio na cidade de Golã, sul do país em fevereiro de 2010. Esse povo foi duramente perseguido pelos extremistas islâmicos.

Foto: David Silverman/ GettyImages



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Moradores da cidade curda de Tal Tamr recebem os militares Sírios para os ajudar na ofensiva contra os Turcos em outubro de 2019. A cidade quase foi tomada pelos extremistas do ISIS em 2015.

Foto: divulgada pela agência de notícias oficial síria, SANA.



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Imagem mostra a clara manipulação do jornalista mexicano, Narciso contreras, após uma cobertura especial sobre a guerra na Síria em 2013.

FOTO: Narciso Contreras



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O fotojornalista Brasileiro, Gabriel Chaim, acompanhou o dia a dia das forças femininas curdas na Síria em uma ofensiva contra o Estado Islâmico. A imagem faz parte de seu trabalho, “filhos da guerra”, divulgado em 2015.

Foto: Gabriel Chaim/ Vice News.



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Uma mulher e seu bebê são vistos através do fuzil de um atirador da oposição Síria fugindo da cidade de Aleppo, no norte do país. A foto é de 2012 e a cidade estava quase toda sitiada com conflitos pesados nas ruas.

FOTO: Zac Baillie/ GettyImages/AFP



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