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Relatos de um conflito: A jovem que acolheu amigos na própria casa e agora quer recomeçar do Zero

Atualizado: 10 de abr. de 2023

Emilia Petus Mikhailovna, 28 anos, residente na cidade de Kirovograd (Oblast de Krivih-Rih). A entrevista e seu relato foram colhidos em idioma Ucraniano, porém traduzido aqui para o Português, Emilia trabalhava como assistente de comércio e Marketing antes da guerra e vivia sozinha em seu apartamento há poucas quadras dali. À partir daqui, quem fica com o relato é essa jovem que descreve seus dias em meio ao caos e as notícias do fronte de batalha que ela acompanha arduamente após muitos de seus amigos próximos terem deixado as suas vidas "normais" para seguirem em direção a luta e a morte.


"Eu costumava levar uma vida normal, acordava cedo todos os dias, mas por causa da pandemia, passei a levar uma rotina diferente e ia para o trabalho apenas alguns dias da semana. Precisei correr atrás da minha responsabilidade bem cedo, meus pais são falecidos e sempre quis ter minha própria independência, fiz alguns cursos, me formei na faculdade e segui uma área que gostava, passei a trabalhar como assistente em uma loja da cidade e estava planejando começar meu próprio negócio.


Minha cidade era muito calma, é cidade pequena, não é mesmo? nada aqui me lembra Lviv ou Odessa, por exemplo, era difícil ter contato com estrangeiros ou turistas porque aqui somos como um pontinho isolado da Ucrânia, em compensação, pude ter amigos de diferentes culturas e de outros lugares do mundo quando comecei meu trabalho com Marketing há alguns anos, aquilo foi muito bom para mim.


Tudo mudou naquela madrugada de 24 de fevereiro, fui acordada com um amigo meu ligando e dizendo quase que desesperadamente 'A Rússia está disparando foguetes em algumas cidades do país, estamos oficialmente em guerra'... de início não acreditei, mas ai minha irmã, que mora em Lviv, me ligou e pediu para eu ligar a televisão, era aquele tal de BREAKING NEWS, naquele momento precisei respirar fundo, não entrei em pânico e pensei quando que minha ficha iria cair, meu deus, estávamos literalmente em guerra.


No dia seguinte foi o meu aniversário, 28 anos, geralmente esse seria um dia em que estaria saindo com os meus amigos, comendo fora, talvez viajando, mas esse ano foi diferente, minha casa estava totalmente trancada, tinha medo de abrir as janelas e o bolo de aniversário que eu tanto esperava, foi apenas alguns petiscos e muito café, pois não queria dormir, as únicas coisas que alegraram um pouco aquele dia cinzento foram as mensagens que eu recebi e a distração com minha cachorra, Marta.


Os dias foram se passando e o contato com meus amigos e pessoas próximas foi ficando cada vez mais difícil, as vezes a internet caia e eles demoravam tanto para me responder que por vezes achava que o pior tinha acontecido. Minha melhor amiga conseguiu chegar sã e salva na Polônia, porém o marido teve que ficar para lutar contra os russos. Como morava sozinha e meu apartamento tinha um bom espaço para acomodar algumas pessoas, convidei três amigos para ficar comigo lá, percebi que minha cidade estava razoavemente segura e não hesitei em preparar minha casa para recebé-los, uma tinha uma criança pequena.


Esses amigos estavam em uma área de perigo e poderiam ser atingidos por uma bomba a qualquer momento, dá para imaginar que eu poderia ligar a televisão e ver que a casa deles havia sido destruída? eu não queria passar por aquilo, por isso meus dias com eles tem sido melhores e mais leves de certa forma. Eles me ajudam a limpar a casa, cozinhar algumas coisas e passamos quase todas as noites rindo e bebendo chá para relembrar os velhos tempos, ou melhor, a ucrânia antes da guerra. Também gostamos de ouvir música juntos, jogar baralho e assistir um filme.


Todos os dias uma sirene de alerta toca na minha cidade, não tem horário, as vezes acordo com dor de cabeça de tão alto que aquele negócio soa, é meio que um alerta para permanecermos em casa ou que um ataque está perto, e acontece bastante, por exemplo, alguns dias atrás uma cidade a 15Km daqui foi atacada pelos ares, houveram mortos e feridos, a cidade se chama Kanatova, foi tenso aquilo, pensei que a qualquer momento minha cidade pudesse ser atacada também.


Nesse dia, fomos obrigados a ir para um abrigo e vimos também jornalistas e Âncoras de televisão gravando seus programas diretamente dali, de um subsolo praticamente, nunca imaginei que passaríamos por isso, não aguentei ficar muito tempo naquele lugar, aquilo me fez passar mal, então no dia seguinte apenas peguei minhas coisas e voltei para o meu apartamento com a minha cachorra, ele estava intacto, graças a Deus, mas aquela sirene não parava.


Desde então minha loja fechou as portas, perdemos muitos clientes e alguns deles precisou cruzar a fronteira para fugir. Estamos sofrendo com racionamento de comida, tudo está ficando mais caro ou acabando e as vezes falta eletricidade também. Estou bem decepcionada com essa situação toda e precisei pensar rápido para que em um mês, eu continuasse ganhando meu dinheiro e sustentando minha casa, já que agora há outras pessoas morando lá comigo, estou meio que tomando conta delas, isso até que me tranquiliza.


Como já tinha planos de abrir meu negócio e trabalhar apenas no Online, eu já consegui ao menos montar minha loja no digital e fazer meu Marketing, tenho uma amiga que está me ajudando nesse processo e estamos planejando colocar tudo para funcionar até o mês de abril, estou bem ansiosa com tudo isso mas procurando uma saída para fazer as coisas darem certo em meio a essa guerra horrível. Como as pessoas estão precisando de vestimentas, os ucranianos procuram evitar coisas muito luxuosas, somos um povo simples, porém nossa mulheres em especial são muito vaidosas, então decidi mirar no público feminino e trabalhar com vendas para elas, quero expandir meu negócio para fora do país no futuro, da mesma forma que não vejo a hora de abrir minha loja física.


Tenho pesadelos a noite, as notícias me aterrorizam as vezes, sou uma pessoa muito calma e sempre falo com Deus para me manter em pé e viva todos os dias, mas confesso que tem horas que me sinto tão frágil, essas coisas acabam com a gente, entende?


No entanto a guerra me trouxe esperanças para outras coisas, tento tirar o lado positivo disso tudo, comecei a aprender português, já falo algumas palavras, estou estudando sobre outras culturas e planejo viajar ao Brasil no próximo ano se tudo der certo. Agora que estou em casa, estou focando nos meus planos profissionais e como precisamos valorizar a vida a cada segundo, não sei o meu dia de amanhã, isso é uma ucraniana falando, mas a morte não escolhe nacionalidade, devemos entender isso.


Minha única relação com a Rússia é pelo sangue apenas, minha mãe era russa e falo a língua deles, porém nunca coloquei esperanças em uma diplomacia saudável entre o meu país e Moscou. Há oito anos eu testemunhei a anexação da Criméia e percebi a insatisfação de muita gente aqui, por isso que muitos ucranianos dizem que nossa guerra começou mesmo lá em 2014, agora apenas piorou. Espero que Putin pare com essa agressão e os governos se resolvam o mais rápido possível, pois não merecemos esse conflito todo, há gente morrendo e fugindo, e por mais que nosso povo seja forte e resistente, perder uma vida é equivale a matar a Ucrânia toda, isso é o que dizemos."




A jovem Emilia Mikhailovna,

de 28 anos, nascida e criada

na Ucrânia, hoje está tentando

abrir seu negócio em meio a

guerra e decidiu, por conta própria,

abrigar amigos em sua casa quando

o conflito começou.






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