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Entrevista com: Luiz Antônio Araújo

"O jornalista precisa estar preparado para todo e qualquer tipo de desafio"


Quando o assunto é guerra, conflitos e política, o repórter e ex correspondente internacional, Luiz Antônio Araújo, é a pessoa perfeita para ser entrevistada e convidada para uma Live. O jornalista começou sua carreira na década de 80 na Rádio, e teve passagens pelo Jornal Zero Hora, onde foi editor - chefe, colaborou para matérias na Folha de S. Paulo, BBC News e O Globo, e atualmente é professor. O jornalista já tem dois livros publicados e segue pesquisando áreas de conflito e cultura, especialmente nos países islâmicos.


1) Você iniciou sua carreira como jornalista na Rádio Atlântida FM e no jornal Correio do Povo na década de 80. Conforme foram surgindo novas oportunidades, você começou a se destacar em outros trabalhos, inclusive como correspondente internacional. Como foi para você fazer coberturas tão tensas e distantes de casa e como você enxerga a profissão "Correspondente" hoje em dia?


- Minha primeira cobertura internacional foi em 2001, no Paquistão, fui enviado pelo Zero Hora, na época, para reportar o impacto dos atentados do Onze de Setembro naquele país e já sabíamos que a qualquer momento os estados unidos bombardeariam o vizinho Afeganistão, então já estávamos a postos para um possível início de guerra naquela região, foi bem tenso. Naquele ano não se podia entrar no Afeganistão, o país estava fechado para estrangeiros e atravessar a fronteira era muito perigoso, os talibãs ainda dominavam o país e negociar uma reportagem em Cabul com eles era algo muito difícil, então não segui em frente com isso, apenas fiquei os vinte e nove dias em cidades paquistanesas e testemunhando a guerra ali perto.

Sobre a profissão correspondente, é algo que coloco muita confiança nessa nova geração de jornalistas, não acho que é um trabalho fácil e para qualquer um, precisa ter muita garra, muita cabeça para isso, no entanto vejo uma tarefa que renderá muito aprendizado para esses novos profissionais e apresentará um novo horizonte para o público que irá o assistir e acompanhar futuramente, é algo sensacional de se fazer.



2) Você teve grande êxito cobrindo a guerra do Afeganistão em 2001, em seguida, a queda do regime Talibã, foi o único repórter brasileiro no Paquistão até aquele momento, quando os EUA iniciaram seus bombardeios no país vizinho, e você teve a oportunidade de dar um outro olhar para aquele início de conflito que perduraria por anos. Quais foram as situações mais difíceis e delicadas para você durante esse período no mundo islâmico?


- Eu passei muito tempo pesquisando o mundo árabe e o mundo islâmico, bom lembrar que são duas coisas completamente diferentes e que causa uma pequena confusão na cabeça dos ocidentais.

A situação que considero a mais difícil e posso dizer, assustadora, que enfrentei nesses países, curiosamente me aconteceu no Egito em 2011. Fui cobrir os protestos na praça Tahir, no Cairo, contra o regime do Hosni Mubarak e eu estava sozinho com a minha câmera filmando as manifestações, de repente apareceu um grupo de jovens, alguns aparentavam estar segurando algo pontiagudo e começaram a me perseguir, ali, na frente da multidão mesmo. Tomei a decisão de parar ao lado de um prédio movimentado e eles vinham me ameaçando e dizendo algumas outras coisas em árabe que eu não estava entendendo, quando disse que era brasileiro e expliquei em inglês o que estava fazendo ali, eles levaram um tempo para acreditar e logo me deixaram quieto, foram mexer com outras pessoas mas aquilo me deixou muito tenso, pensava que a qualquer momento eu poderia até morrer porque não sabia quais eram as verdadeiras intenções daqueles homens. Depois daquele dia, passei a andar sempre acompanhado, mesmo que com guia, e evitava entrar no meio da multidão quando estavam ocorrendo manifestações.



3) Conforme os bombardeios dos americanos foram progredindo nos países islâmicos após o Onze de Setembro, o líder da Al Qaeda na época, Osama Bin Laden, passou a coordenar uma série de atentados terroristas e também o sequestro e assassinatos de jornalistas ocidentais na região. Quais orientações você precisou seguir estando em zonas de guerra e como foi a sensação de saber que a qualquer momento você poderia ser um alvo fatal simplesmente por fazer o seu trabalho, uma vez que até aquele momento, poucos sabiam que Bin Laden estava escondido nas montanhas do Paquistão, bem aonde você estava?


- Aqui no brasil mesmo eu já recebia várias instruções de como se comportar nos países islâmicos, em questão cultural, e como se portar no campo de batalha. Aprendi que não era bom sair filmando no meio da rua, era sempre bom procurar lugares específicos para fazer uma gravação, não ficar muito tempo parado ao lado de um carro porque pode ser que tivesse explosivos dentro (e isso já ocorreu muito em países onde haviam guerra), andar sempre com colete à prova de balas caso fossemos para uma zona instável e, claro, sempre tomando muito cuidado por onde andávamos, afinal, muita gente não sabe mas o Talibã também perambula ali no paquistão, eles, diferente dos talibãs afegãos, não se vestem muito tradicionalmente, com turbantes e barbas longas, eram pessoas normais, que estavam nos mercados, nas ruas, nas lojas, te observando, sabem que você é jornalista, pode ser que te ataquem ou não, mas ainda assim é bem arriscado, você anda com uma certa insegurança pelas ruas, devo ter encontrado vários talibãs sem saber.



4) Uma década depois, você iniciou o seu trabalho de correspondente em outras partes do mundo islâmico, você passou pelo Egito, pela Turquia e pela Síria, era o período conhecido como “Primavera Árabe”. Você começou cobrindo o início dos protestos, imaginou em algum momento que aquelas manifestações pudessem sacudir o oriente médio, dar uma nova guinada na geopolítica da região e pior ainda, dar uma oportunidade à mídia tradicional de cobrir um conflito tão terrível como o da Síria atualmente?


- Era de se esperar porque o mundo árabe estava um caos naquela época e sabíamos o motivo das pessoas estarem nas ruas. O problema foi assistir de camarote a Síria sendo tomada por uma revolta violenta e se transformando em ruínas aos poucos, foi triste e revoltante ver crianças morrendo, famílias perdendo suas casas, o Estado Islâmico renascendo e avançando na região, tudo muito assustador. Eu cobri a guerra na Síria diretamente da fronteira turca, vi refugiados chegando aos prantos, ouvi histórias terríveis de quem viveu a guerra e tudo isso me fazia pensar o quanto o ocidente não se envolveu nesse jogo político pelo poder.



"O problema foi assistir de camarote a Síria sendo tomada por uma revolta violenta e se transformando em ruínas aos poucos". Afirma o Jornalista


5) Em 2014, você começou a fazer a cobertura e escrever alguns artigos sobre a então crise da Ucrânia, mais precisamente no Leste Europeu. Atualmente o país anda estando muito presente na mídia pela questão da Criméia, região da qual os ucranianos disputam com a Rússia, e isso incentivou as mídias locais a traduzirem um contexto de guerra que até então não existia e oferecer apoio para um dos dois lados, algo muito criticado no jornalismo tradicional. Você acha que a censura e a repressão da imprensa contribui para esse tipo de falhas para coberturas delicadas como essa e ainda dá margem para os profissionais terem uma dificuldade ao tentar cobrir esse problema de perto?


- Em qualquer lugar onde não há liberdade de imprensa e informações precisas, há uma dificuldade para o jornalista trabalhar decentemente, isso é um fato. Na Ucrânia foi um pouco difícil de início porque é um país muito isolado e desconhecido para nós, cheguei lá quando os protestos pró e contra a anexação da Crimeia estavam começando, senti um leve desconforto por parte dos soldados russos ao me verem lá, mas não me ocorreu nada. É muito difícil ser jornalista em tempos como esse, sabe? tempos de negacionismo, autoritarismo, extremismo, quando isso vira um governo, o primeiro alvo é sempre a imprensa.


6) Em 2009 você publicou o seu livro reportagem Binladenistão onde você conta um pouco mais sobre suas experiências entre o Paquistão e o Afeganistão durante o período da guerra. O que te levou a escrever essa obra? Você se vê novamente nesses países nos dias de hoje para produzir novas reportagens?


- Quando embarquei para o Paquistão e, em seguida, percorri alguns países islâmicos, senti a necessidade de contar para as pessoas os bastidores dessas "aventuras" e como funciona o nosso trabalho por lá, porque muita gente acha que é fácil. No livro contei minha experiência nas terras orientais e também senti a necessidade de desconstruir um pouco do mundo muçulmano para as pessoas daqui, especialmente em relação a cultura deles. Gostaria de um dia retornar à esses países, mas não para trabalhar, quero visitar, tentar me sentir um pouco em casa novamente, igual me aconteceu da primeira vez que fui.


7) Como correspondente em lugares exóticos e considerados perigosos, você acredita que o fato da cobertura de conflitos no mundo árabe e islâmico serem tão massantes, contribui para que os trabalhos sejam feitos sempre sob uma ótica orientalista e esteriotipada como foi o caso da guerra no Afeganistão?


- Sim, especialmente porque a maior parte dos fatos que sabemos e nos é passado aqui, é provido de mídias americanas e europeias, geralmente produzidas por pessoas que nem sequer conhecem o mundo islâmico e árabe. As pessoas precisam saber como se informar melhor e é trabalho do jornalista, do repórter, saber como transmitir isso de uma boa maneira. Quando se quer ser correspondente tem que saber outras línguas, gostar de aprender história, se interessar e respeitar a cultura de outros povos e saber falar de política, que é o foco desses regiões. É fato que ainda cultivamos um pensamento meramente orientalista aqui no ocidente e isso iria demorar um pouco para ser desconstruído, mas essa nova geração de repórteres e profissionais podem mudar isso.


8) O que você carrega consigo após tantas coberturas surpreendentes e o que você espera de um correspondente de guerra que ainda está iniciando sua trajetória?


- O aprendizado é sempre o que fica, não importa quanto tempo passe. Eu sinto que o jornalista precisa estar preparado para todo e qualquer tipo de desafio e precisa se permitir viver, viver intensamente e querer ver muito, por isso que dizem que lugar de jornalista é na rua, e é mesmo, mas vou além, lugar de jornalista é no mundão, conhecendo países, explorando novas terras, mergulhando no perigo quando precisar e conquistar, principalmente conquistar público, ser lembrado de alguma forma, isso essas experiências me proporcionaram e muito, então espero que de alguma forma, esse meu exemplo e essa minha mensagem alcance os jovens de hoje que planejam seguir nesse caminho tão próspero e promissor.

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